sexta-feira, 16 de novembro de 2007

40 anos de "A sociedade do espetáculo"


“A sociedade do espetáculo” (La société du spectacle) de Guy Debord completa por esses dias 40 anos de sua publicação. Um ano antes de maio de 68 e uma década após a Internacional Situacionista, Debord via e previa um outro estágio do capital estendendo Marx a uma nova e radical possibilidade. “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”, diz o “petardo” de número 34 da obra. Com estilo ácido e poético (o livro virou um filme feito pelo próprio autor em 1973), a obra traça em parte um painel sobre a pouco falada e muito sentida “civilização da imagem” contemporânea, que reificou ainda mais, através de “reality shows” e cia, o mundo do espetáculo pensado por Guy Debord. Reler o autor francês nos dias de hoje, refletindo a espetacularização da sociedade é tarefa não só da intelectualidade contra a qual Debord também vocifera. È um dever do cidadão, que bestializado clama por ética e esquece que a essência do capitalismo vive de seus cruéis, cruéis espetáculos. Reler Debord, no entanto, é mais: É verificar que sua crítica transpunha os ideais de maio de 68 e de uma leitura puramente midiática dos acontecimentos. O espetáculo era a partir de então a própria vida.

Nesse sentido o aforismo oito é exemplar: “Não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e atividade social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. (...). Assim estabelecida, cada noção só se fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação é a essência e a base da sociedade existente”. Tal relação entre real e espetáculo fundamenta a proposta fundadora do autor de pensar a vida e a sociedade como acúmulo de espetáculos. Do tempo, do espaço, das relações advindas com a dura etapa do capital. Não à toa Neal Gabler pensou há alguns poucos anos as aproximações da vida com a arte cinematográfica, reeditando o conceito de espetáculo em seu “Vida, O filme” ( Cia das letras , 1999). Acúmulo de realidades em nome do cinema como puro entretenimento.

A forma aforismática de escrever de Debord passeia na história do pensamento sempre pela via da crítica. Nietzsche, Adorno e Baudrillard são três nomes importantes dessa técnica. Guy Debord mapeava com seus 221 aforismos, e estilo semelhante ao de Baudrillard, uma série de análises e previsões nietzschianas e adornianas. Inúmeras tentativas de reler Debord atualmente convivem ainda com o enigma de certas considerações das teses do próprio livro. Umas das alternativas atuais proposta por Douglas Kellner pensa a mídia, e particularmente seus produtos culturais (seriados, novelas e o mundo das celebridades), como um local de produção de espetáculos. Importante leitura, mas talvez incompleta, pois Debord tinha no conceito de espetáculo uma crítica ao modelo de vida vigente. Em tempo do espetáculo dos media e da carnavalização da política, Debord é ainda seu principal leitor e seus conceitos necessários. Seu método teórico era também uma prática: revigorar o sentido da questão revolucionária. Nas palavras de Debord, “a crítica que vai além do espetáculo deve saber esperar” Quem sabe de tanto fazer a hora deixemos a espera acontecer...



“A conversação já está quase extinta, e em breve também estarão mortos muitos dos que sabiam falar”. Essa pérola aparece não no livro de 67, mas nos comentários cerca de duas décadas depois. Com mais essa dura constatação relembrar temas como a importância da juventude (a que não prefere as balas de ecstasy ), ou no dizer de Debord, “a mudança daquilo que existe” e a crítica da comunicação e aos teóricos da comunicação são centrais. Vejam o que ele diz de Marshall McLuhan, por exemplo: “O próprio McLuhan, o primeiro apologista do espetáculo, que parecia o imbecil mais convicto do século, mudou de opinião ao descobrir, enfim, em 1976, que a pressão dos mass media conduz ao irracional e que seria urgente moderar o uso desses meios”. Mas é no quadro geral de sua grande conceituação que se encontra tarefa de quem deseja pensar para além dos ditames do espetáculo para compreender os liames do contemporâneo. O espetáculo “ é uma visão de mundo que se objetivou” e que Debord brilhantemente recortou. O que refletir 40 anos depois desse mundo objetivado passeia pelo recorte dos recortes em forma de aforismos de Debord.

No Brasil, o livro “A sociedade do espetáculo” foi lançado pela editora Contraponto com os “Comentários sobre a sociedade do espetáculo” feitos pelo autor em 1988.