A expressão neoconcreto é uma tomada de posição em face da arte não-figurativa “geométrica” (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, Escola de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista. Trabalhando no campo da pintura, escultura, gravura e literatura, os artistas que participam desta I Exposição Neoconcreta encontraram-se, por força de suas experiências, na contingência de rever as posições teóricas adotadas até aqui em face da arte concreta, uma vez que nenhuma delas “compreende” satisfatoriamente as possibilidades expressivas abertas por estas experiências.
Nascida com o cubismo, de uma reação à dissolvência impressionista da linguagem pictórica, era natural que a arte dita geométrica se colocasse numa posição diametralmente oposta às facilidades técnicas e alusivas da pintura corrente. As novas conquistas da física e da mecânica, abrindo uma perspectiva ampla para o pensamento objetivo, incentivariam, nos continuadores dessa revolução, a tendência à racionalização cada vez maior dos processos e dos propósitos da pintura. Uma noção mecanicista de construção invadiria a linguagem dos pintores e dos escultores, gerando, por sua vez, reações igualmente extremistas, de caráter retrógrado como o realismo mágico ou irracionalista como Dadá e o surrealismo. Não resta dúvida, entretanto, que, por trás de suas teorias que consagravam a objetividade da ciência e a precisão da mecânica, os verdadeiros artistas - como é o caso, por exemplo, de Mondrian ou Pevsner - construíam sua obra e, no corpo-a-corpo com a expressão, superaram, muitas vezes, os limites impostos pela teoria. Mas a obra desses artistas tem sido até hoje interpretada na base dos princípios teóricos, que essa obra mesma negou. Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria. Se pretendermos entender a pintura de Mondrian pelas suas teorias, seremos obrigados a escolher entre as duas. Ou bem a profecia de uma total integração da arte na vida cotidiana parece-nos possível e vemos na obra de Mondrian os primeiros passos nesse sentido ou essa integração nos parece cada vez mais remota e a sua obra se nos mostra frustrada. Ou bem a vertical e a horizontal são mesmo os ritmos fundamentais do universo e a obra de Mondrian é a aplicação desse princípio universal ou o princípio é falho e sua obra se revela fundada sobre uma ilusão. Mas a verdade é que a obra de Mondrian aí está, viva e fecunda, acima dessas contradições teóricas. De nada nos servirá ver em Mondrian o destrutor da superfície, do plano e da linha, se não atentamos para o novo espaço que essa destruição construiu.
O mesmo se pode dizer de Vantongerloo ou de Pevsner. Não importam que equações matemáticas estão na raiz de urna escultura ou de um quadro de Vantongerloo, desde que só à experiência direta da percepção a obra entrega a “significação” de seus ritmos e de suas cores. Se Pevsner partiu ou não de figuras da geometria descritiva é uma questão sem interesse em face do novo espaço que as suas esculturas fazem nascer e da expressão cósmico-orgânica que, através dele, suas formas revelam. Terá interesse cultural específico determinar as aproximações entre os objetos artísticos e os instrumentos científicos, entre a intuição do artista e o pensamento objetivo do físico e do engenheiro. Mas, do ponto de vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela.
Malevitch, por ter reconhecido o primado da “pura sensibilidade na arte”, salvou as suas definições teóricas das limitações do racionalismo e do mecanicismo, dando a sua pintura uma dimensão transcendente que lhe garante hoje uma notável atualidade. Mas Malevitch pagou caro pela coragem de se opor, simultaneamente, ao figurativismo e à abstração mecanicista, tendo sido considerado até hoje, por certos teóricos racionalistas, corno um ingênuo que não compreendera bem o verdadeiro sentido da nova plástica. Na verdade, Malevitch já exprimia, dentro da pintura “geométrica” uma insatisfação, uma vontade de transcendência do racional e do sensorial que hoje se manifesta de maneira irreprimível.
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões “verbais” criadas pela arte não-figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Na verdade, em nome de preconceitos que hoje a filosofia denuncia (M. Merleau-Ponty, E. Cassirer, S. Langer) - e que ruem em todos os campos, a começar pela biologia moderna, que supera o mecanismo pavloviano - os concretos racionalistas ainda vêem o homem como uma máquina entre máquinas e procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica.
Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um quasi-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual repousa, não por alguma virtude extraterrena: supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar para si uma significação tácita (M. Pority) que emerge nela pela primeira vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte, não o poderíamos encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto tomados objetivamente, mas, como S. Lanoer e W. Wleidlé, nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto, ainda não bastaria para expressar a realidade específica do, organismo estético.
É porque a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova - que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua “realidade”. A dificuldade de uma terminologia precisa para exprimir um mundo que não se rende a noções levou a crítica de arte ao uso indiscriminado de palavras que traem a complexidade da obra criada. A influência da tecnologia e da ciência também aqui se manifestou, a ponto de hoje, invertendo-se os papéis, certos artistas, ofuscados por essa terminologia, tentarem fazer arte partindo dessas noções objetivas para aplicá-las como método criativo. Inevitavelmente, os artistas que assim procedem apenas ilustram noções a priori, limitados que estão por um método que já lhes prescreve, de antemão, o resultado do trabalho. Furtando-se à criação espontânea, intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num espaço objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita de si e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como instrumento e não olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele; fala ao olho-máquina e não ao olho-corpo.
É porque a obra de arte transcende o espaço mecânico que, nela, as noções de causa e efeito perdem qualquer validez, e as noções de tempo, espaço, forma, cor estão de tal modo integradas - pelo fato mesmo de que não preexistiam, como noções, à obra - que seria impossível falar delas como de termos decomponíveis. A arte neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos, acredita que o vocabulário “geométrico” que utiliza pode assumir a expressão de realidades humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian, Malevitch, Pevsner, Gabo, Sofia Taueber-Arp etc. Se mesmo esses artistas às vezes confundiam o conceito de forma-mecânica com o de forma-expressiva, urge esclarecer que, na linguagem da arte, as formas ditas geométricas perdem o caráter objetivo da geometria para se fazerem veículo da imaginação. A Gestalt, sendo ainda uma psicologia causalista, também é insuficiente para nos fazer compreender esse fenômeno que dissolve o espaço e a forma corno realidades causalmente determináveis e os dá como tempo - como espacialização da obra. Entenda-se por espacialização da obra o fato de que ela está sempre se fazendo presente, está sempre recomeçando o impulso que a gerou e de que ela era já a origem. E se essa descrição nos remete igualmente à experiência primeira - plena - do real, é que a arte neoconcreta não pretende nada menos que reacender essa experiência. A arte neoconcreta funda um novo “espaço” expressivo.
Essa posição é igualmente válida para a poesia neoconcreta que denuncia, na poesia concreta, o mesmo objetivismo mecanicista da pintura. Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina. Também para eles o espaço e o tempo não são mais que relações exteriores entre palavras-objeto. Ora, se assim é, a página se reduz a um espaço gráfico e a palavra a um elemento desse espaço. Como na pintura, o visual aqui se reduz ao ótico e o poema não ultrapassa a dimensão gráfica. A poesia neoconcreta rejeita tais noções espúrias e, fiel à natureza mesma da linguagem, afirma o poema como um ser temporal. No tempo e não no espaço a palavra desdobra a sua complexa natureza significativa. A página na poesia neoconcreta é a espacialização do tempo verbal: é pausa, silêncio, tempo. Não se trata, evidentemente, de voltar ao conceito de tempo da poesia discursiva, porque enquanto nesta a linguagem flui em sucessão, na poesia neoconcreta a linguagem se abre em duração. Conseqüentemente, ao contrário do concretismo racionalista, que toma a palavra como objeto e a transforma em mero sinal ótico, a poesia neoconcreta devolve-a à sua condição de “verbo”, isto é, de modo humano de presentação do real. Na poesia neoconcreta a linguagem não escorre: dura.
Por sua vez, a prosa neoconcreta, abrindo um novo campo para as experiências expressivas, recupera a linguagem como fluxo, superando suas contingências sintáticas e dando um sentido novo, mais amplo, a certas soluções tidas até aqui equivocadamente como poesia.
É assim que, na pintura como na poesia, na prosa como na escultura e na gravura, a arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em face do conhecimento prático (moral, política, indústria etc).
Os participantes desta I Exposição Neoconcreta não constituem um “grupo”. Não os ligam princípios dogmáticos. A afinidade evidente das pesquisas que realizam em vários campos os aproximou e os reuniu aqui. O compromisso que os prende, prende-os primeiramente cada um à sua experiência, e eles estarão juntos enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou.
Nascida com o cubismo, de uma reação à dissolvência impressionista da linguagem pictórica, era natural que a arte dita geométrica se colocasse numa posição diametralmente oposta às facilidades técnicas e alusivas da pintura corrente. As novas conquistas da física e da mecânica, abrindo uma perspectiva ampla para o pensamento objetivo, incentivariam, nos continuadores dessa revolução, a tendência à racionalização cada vez maior dos processos e dos propósitos da pintura. Uma noção mecanicista de construção invadiria a linguagem dos pintores e dos escultores, gerando, por sua vez, reações igualmente extremistas, de caráter retrógrado como o realismo mágico ou irracionalista como Dadá e o surrealismo. Não resta dúvida, entretanto, que, por trás de suas teorias que consagravam a objetividade da ciência e a precisão da mecânica, os verdadeiros artistas - como é o caso, por exemplo, de Mondrian ou Pevsner - construíam sua obra e, no corpo-a-corpo com a expressão, superaram, muitas vezes, os limites impostos pela teoria. Mas a obra desses artistas tem sido até hoje interpretada na base dos princípios teóricos, que essa obra mesma negou. Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria. Se pretendermos entender a pintura de Mondrian pelas suas teorias, seremos obrigados a escolher entre as duas. Ou bem a profecia de uma total integração da arte na vida cotidiana parece-nos possível e vemos na obra de Mondrian os primeiros passos nesse sentido ou essa integração nos parece cada vez mais remota e a sua obra se nos mostra frustrada. Ou bem a vertical e a horizontal são mesmo os ritmos fundamentais do universo e a obra de Mondrian é a aplicação desse princípio universal ou o princípio é falho e sua obra se revela fundada sobre uma ilusão. Mas a verdade é que a obra de Mondrian aí está, viva e fecunda, acima dessas contradições teóricas. De nada nos servirá ver em Mondrian o destrutor da superfície, do plano e da linha, se não atentamos para o novo espaço que essa destruição construiu.
O mesmo se pode dizer de Vantongerloo ou de Pevsner. Não importam que equações matemáticas estão na raiz de urna escultura ou de um quadro de Vantongerloo, desde que só à experiência direta da percepção a obra entrega a “significação” de seus ritmos e de suas cores. Se Pevsner partiu ou não de figuras da geometria descritiva é uma questão sem interesse em face do novo espaço que as suas esculturas fazem nascer e da expressão cósmico-orgânica que, através dele, suas formas revelam. Terá interesse cultural específico determinar as aproximações entre os objetos artísticos e os instrumentos científicos, entre a intuição do artista e o pensamento objetivo do físico e do engenheiro. Mas, do ponto de vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela.
Malevitch, por ter reconhecido o primado da “pura sensibilidade na arte”, salvou as suas definições teóricas das limitações do racionalismo e do mecanicismo, dando a sua pintura uma dimensão transcendente que lhe garante hoje uma notável atualidade. Mas Malevitch pagou caro pela coragem de se opor, simultaneamente, ao figurativismo e à abstração mecanicista, tendo sido considerado até hoje, por certos teóricos racionalistas, corno um ingênuo que não compreendera bem o verdadeiro sentido da nova plástica. Na verdade, Malevitch já exprimia, dentro da pintura “geométrica” uma insatisfação, uma vontade de transcendência do racional e do sensorial que hoje se manifesta de maneira irreprimível.
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões “verbais” criadas pela arte não-figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Na verdade, em nome de preconceitos que hoje a filosofia denuncia (M. Merleau-Ponty, E. Cassirer, S. Langer) - e que ruem em todos os campos, a começar pela biologia moderna, que supera o mecanismo pavloviano - os concretos racionalistas ainda vêem o homem como uma máquina entre máquinas e procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica.
Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um quasi-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual repousa, não por alguma virtude extraterrena: supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar para si uma significação tácita (M. Pority) que emerge nela pela primeira vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte, não o poderíamos encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto tomados objetivamente, mas, como S. Lanoer e W. Wleidlé, nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto, ainda não bastaria para expressar a realidade específica do, organismo estético.
É porque a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova - que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua “realidade”. A dificuldade de uma terminologia precisa para exprimir um mundo que não se rende a noções levou a crítica de arte ao uso indiscriminado de palavras que traem a complexidade da obra criada. A influência da tecnologia e da ciência também aqui se manifestou, a ponto de hoje, invertendo-se os papéis, certos artistas, ofuscados por essa terminologia, tentarem fazer arte partindo dessas noções objetivas para aplicá-las como método criativo. Inevitavelmente, os artistas que assim procedem apenas ilustram noções a priori, limitados que estão por um método que já lhes prescreve, de antemão, o resultado do trabalho. Furtando-se à criação espontânea, intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num espaço objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita de si e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como instrumento e não olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele; fala ao olho-máquina e não ao olho-corpo.
É porque a obra de arte transcende o espaço mecânico que, nela, as noções de causa e efeito perdem qualquer validez, e as noções de tempo, espaço, forma, cor estão de tal modo integradas - pelo fato mesmo de que não preexistiam, como noções, à obra - que seria impossível falar delas como de termos decomponíveis. A arte neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos, acredita que o vocabulário “geométrico” que utiliza pode assumir a expressão de realidades humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian, Malevitch, Pevsner, Gabo, Sofia Taueber-Arp etc. Se mesmo esses artistas às vezes confundiam o conceito de forma-mecânica com o de forma-expressiva, urge esclarecer que, na linguagem da arte, as formas ditas geométricas perdem o caráter objetivo da geometria para se fazerem veículo da imaginação. A Gestalt, sendo ainda uma psicologia causalista, também é insuficiente para nos fazer compreender esse fenômeno que dissolve o espaço e a forma corno realidades causalmente determináveis e os dá como tempo - como espacialização da obra. Entenda-se por espacialização da obra o fato de que ela está sempre se fazendo presente, está sempre recomeçando o impulso que a gerou e de que ela era já a origem. E se essa descrição nos remete igualmente à experiência primeira - plena - do real, é que a arte neoconcreta não pretende nada menos que reacender essa experiência. A arte neoconcreta funda um novo “espaço” expressivo.
Essa posição é igualmente válida para a poesia neoconcreta que denuncia, na poesia concreta, o mesmo objetivismo mecanicista da pintura. Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina. Também para eles o espaço e o tempo não são mais que relações exteriores entre palavras-objeto. Ora, se assim é, a página se reduz a um espaço gráfico e a palavra a um elemento desse espaço. Como na pintura, o visual aqui se reduz ao ótico e o poema não ultrapassa a dimensão gráfica. A poesia neoconcreta rejeita tais noções espúrias e, fiel à natureza mesma da linguagem, afirma o poema como um ser temporal. No tempo e não no espaço a palavra desdobra a sua complexa natureza significativa. A página na poesia neoconcreta é a espacialização do tempo verbal: é pausa, silêncio, tempo. Não se trata, evidentemente, de voltar ao conceito de tempo da poesia discursiva, porque enquanto nesta a linguagem flui em sucessão, na poesia neoconcreta a linguagem se abre em duração. Conseqüentemente, ao contrário do concretismo racionalista, que toma a palavra como objeto e a transforma em mero sinal ótico, a poesia neoconcreta devolve-a à sua condição de “verbo”, isto é, de modo humano de presentação do real. Na poesia neoconcreta a linguagem não escorre: dura.
Por sua vez, a prosa neoconcreta, abrindo um novo campo para as experiências expressivas, recupera a linguagem como fluxo, superando suas contingências sintáticas e dando um sentido novo, mais amplo, a certas soluções tidas até aqui equivocadamente como poesia.
É assim que, na pintura como na poesia, na prosa como na escultura e na gravura, a arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em face do conhecimento prático (moral, política, indústria etc).
Os participantes desta I Exposição Neoconcreta não constituem um “grupo”. Não os ligam princípios dogmáticos. A afinidade evidente das pesquisas que realizam em vários campos os aproximou e os reuniu aqui. O compromisso que os prende, prende-os primeiramente cada um à sua experiência, e eles estarão juntos enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou.
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