quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

RAZÕES

Ando pela rua ou numa estrada escura
Paro em frente a tua casa que é tua sepultura
Sou cheia de sorrisos falsos
Repleta de boas intenções

Mas tudo o que eu quero é destruir tuas sensações
Tudo o que eu quero é combater tuas emoções

Por que me chamam razão
Me pedem razões
Me chamam razão
Me pedem razões


Eu tomo os livros da tua estante
Eu sei que nada será como era (como era antes)
Me finjo em poesias concretas
Pareço até os melhores estetas

Mas tudo o que eu quero é desvelar tuas sensações
Tudo o que eu quero é confrontar tuas emoções

Por que me chamam razão
Me pedem razões
Me chamam razão
Me pedem razões

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A imagem que pesa 21 gramas. O filme que pesa em nossas vidas. O peso da poesia cinematográfica de Alessandro Iñarritu e a questão do ser



“O peso morto de uma tradição de maus costumes
impede-a de apreciar em seu justo mérito
as intenções mais esclarecidas”
‘O seio nu’
Ítalo Calvino-Palomar





O cinema como produtor da realidade como propõe Deleuze em seu livro Conversações ou simplesmente um aparato, um dispositivo, uma técnica? Pode o cinema ser mais que realidade ou ficção, instrumento e prática? "21 gramas" de Alessandro Gonzáles Iñarritu mostra que o cinema pode ser vida, pode falar de forma explícita sobre a finitude. Não que tantos outros filmes não conseguissem, mas nessa experiência do diretor de Amores Brutos, o cinema é despertado do seu sono e sonho tecnológico para dar voz a dimensão do ser. E dar voz ao ser é mais uma vez a necessidade do pensamento.
No caso do filme, a imagem é responsável em todas as suas colorações por um convite ao retorno à discussão sobre a posição do homem diante do acaso, diante da limitação por esse imposta, diante da própria metafísica e, sobretudo, diante do outro. Obviamente não só a imagem poderia nos levar a pensar nessa concepção, ou como afirma Baudrillard em um belo aforismo

O conceito é irrepresentável, mas a imagem é inexplicável. Entre eles há, portanto uma distância irreparável. E por isso a imagem vive da nostalgia do texto e o texto da nostalgia da imagem ( Jean Baudrillard. Cool memories IV, São Paulo, Estação Liberdade. 2002 p. 8) .


Assim esse texto pretende analisar as imagens do filme de Iñarritu, pensando o conceito da morte que o texto traz e que o dispositivo imagético consegue captar de forma magistral. Do vôo das pombas em um céu azul a morte amarelada e cheia de vida do personagem Paul, vivido por Sean Penn, a concepção de uma nova vida, com a coloração branca da bela cena de amor entre os personagens de Penn e Naomi Watts, entra em cena a imagem do ser. A pergunta sobre o quanto se perde, ou se ganha com a morte desse "21 gramas" faz da nostalgia que Baudrillard propõe um sentimento verdadeiramente bom, um sentimento que somente a saudade poderia explicar e que propõe a nostalgia que o texto e imagem desse filme nos traz.
Os planos e a câmera, por vezes vertiginosa, por vezes delicada tecem com a fotografia uma combinação que "Amores Brutos", primeiro filme de Iñarritu, já dava conta. Técnica e estética como faces de uma mesma moeda, para usar expressão recorrente. Esse filme não poderia ser esquecido, pois a mesma questão envolvendo o ser parece estar nele desenhada. Amores brutos, que tem no seu narrador fora da história e no seu veio político um diferencial em relação a "21 gramas," possui a mesma preocupação com o ser. Fato que o cinema não esquece, mas que em alguns momentos se distancia.
Em "21 gramas", o diretor encara com a mesma naturalidade o desafio de contar uma história através de imagens que mesclam poesia e técnica para mostrar e comprovar que estamos realmente jogados no mundo, lançados no mundo como o movimento proposto na filosofia heideggeriana. É também no acaso das imagens e nas imagens do acaso, que o filme dialoga com a filosofia.
As cores - para ser mais exato, os timbres - dão vida ao filme de Iñarritu. Desenham verdadeiras peças, fotos, telas que fixam os olhos do espectador na história que, com um misto de dor/desejo/esperança, nos leva a refletir um pouco mais sobre a existência. Função que Carrière brilhantemente recorta sobre a sétima arte.

O cinema nos arrasta para fora de nós mesmos, retardando o movimento dos pulmões e do coração. É difícil continuar falando de realidade quando o que estamos fazendo é penetrar num corpo que não é nosso, num cenário que não é nosso (Jean-Claude Carrière. A linguagem secreta do cinema, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, p. 75) .

Em "21 gramas", coração e pulmão são os órgãos que mais parecem simbolizar o que o filme se propõe. O ar e o amor são tratados com toda a dicotomia que merecem e os personagens Cristina e Jack, interpretados por Naomi Watts e Benicio Del Toro, emprestam seu fôlego e suas dores para dar brilho as imagens do filme. E se o corpo sem órgãos é realmente um limite como propõem Deleuze e Guattari se, a “ele não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de chegar” (Deleuze, Gilles. Guattari, Félix. Mil platôs Vol1, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 9), vinte e um gramas parecem realmente ser liberados do corpo no exato momento da morte como gira a história desse instigante filme sobre a vida. A colocação de Carrière sobre a realidade que penetra em um outro corpo é redimensionada em alguns filmes contemporâneos que parecem mais reais que a própria realidade, seja pela vida que virou filme como aponta Neal Gabler, seja pela redefinição de realidade imposta pela virtualidade.
No filme, o peso das atitudes e as intenções precipitadas, motivadas pelo acaso dos acidentes impostos pela vida, ganham as explicações matemáticas de um professor, religiosas de um antigo perdido na vida - e temente em todos os sentido a Deus - e o desespero de uma mulher. As explicações tentam convencer-nos de que algo do inevitável poderia ter sido previsto, mas o destino que se cumpre também pode ser visto como crescimento. É aí que as imagens ganham sua força. Iñarriatu faz nascer das imagens uma nova concepção para os três mundos da diegese. Três histórias que se cruzam para imageticamente se encontrarem.
O filme que gira em função do acidente de carro que também faz três vítimas (um pai e suas duas filhas) salva a vida por alguns poucos meses do personagem de Sean Penn que recebe o coração do homem atropelado. Atropelos então começam a dar rumo às situações impostas pelas imagens captadas pelo diretor.
Para cada situação Iñarritu percebe uma câmera diferente, um olhar diferente. Do quadro pintado pelo rapaz que observa o acidente (em meio às folhas que cata e o som da frenagem do carro) à epifania da ida no veículo ensangüentado para o salvamento de uma vida que não quer ser salva, o filme parece tentar nos colocar juntos a intimidade da fragilidade da vida diante do acontecimento. Tal fragilidade é pintada com cores vibrantes. Com as nuances extremas que grandes pintores mostravam a vida e que poucos diretores de cinema conseguem ao lado de seus diretores de fotografia. Iñarritu consegue captar nas imagens colorações que dão clima em conjunto. Cores que remetem momento a momento, vale novamente lembrar, a problemática do ser.
Ao lado da cor, "21 gramas" coloca a angústia do homem no cerne da discussão. Faz isso com o belo texto do roteiro de Guillermo Arriaga. Faz o cinema distanciar-se da questão sobre seu aparato técnico e concentra-se no homem. No ser que reconhece sua finitude e que passa a conhecer o acaso. A preocupação do cinema de Iñarritu e de um grupo de pensadores-cineastas da atualidade nos leva a refletir sobre uma metamorfose que passa o cinema no mundo regido pelas novas tecnologias da comunicação e da informação ( esse próprio texto que publico aqui hoje, antigo em meus arquivos, renasce de outro filme que assisti por esses dias, o belíssimo Ballet mécanique (1924), de Fernand Léger. Um filme sobre a máquina que trata do ser, um filme experimental com um belo tema). Retomar, como propõe Burch a questão do tema de um filme não parece ser descabido em uma discussão como a que se tenta fazer nesse texto. Coloca o teórico:

Assim, se admitimos que o cinema, que já descobriu parte de suas potencialidades estruturais, deve considerá-las na escolha de seus temas, resta-nos perguntar “o que é um tema de filme”, ou, “o que é um bom tema de filme?” Ou ainda, “o que é um bom tema de filme hoje?” (James Dudley Andrew. As principais teorias do cinema – Uma introdução, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor 1989, p.49)

A epígrafe de Calvino - quando assisti "21 gramas" esse pintor de palavras não me saía da cabeça - que se apresentou como oportuna tenta dar conta da resposta às indagações de Noel Burch. Reler o homem e a moral como tenta "21 gramas" é observar com o senhor Palomar as intenções. Saber lidar com a intencionalidade nas decisões humanas como apresenta Iñarritu é compreender o peso morto que o homem parece estar se tornando, esquecendo o recado que ainda tenta o cinema lhe dar sobre a importância do ser no mundo que esquece dos acidentes, das cores, das imagens de verdade, em nome das infinitas reproduções, dos simulacros sem sentido da contemporaneidade. Falar do ser é falar de uma máquina...

Bibliografia
Andrew, James Dudley, As principais teorias do cinema – Uma introdução, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1989

Baudrillard, Jean, Cool memories IV, São Paulo, Estação Liberdade. 2002

Burch, Noel, Práxis do cinema, São Paulo, Perspectiva, 1992
Carrière, Jean-Claude A linguagem secreta do cinema, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994

Gilles, Deleuze. Félix, Guattari, Mil platôs Vol1, São Paulo, Editora 34, 2004

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Extemporâneos....

Eu prefiro quem ainda não descobriu àquele que possui a verdade.
Eu prefiro o outro àquele que finge clamar por morta sinceridade
não há nada que me faça mais feliz que um ano após o outro ( quanto um dia quando acaba)
Só um amigo correndo em linha reta apesar da vida de torto

Eu ainda prefiro meu jantar ao meio dia e um boteco de esquina
à ilusão dos falsos amores que relutam contra a verdade a dois
deixo para depois o trivial, o redundante e aquela palavra certa
que me pedem nas horas mais erradas. Acabo como sempre falando em demasia.
Pra todos que me amam e nada esperam em volta (pois pouco consigo dar)
também para aqueles que só me aturam, fingindo ou querendo gostar
a esses devo um pouco mais, deixo estar, para não confundir
mas não esqueço um dia sequer, mas sem sofrer

Daqui só levo quem quero, que dessa estrada de fim certo
nada fica, que dessa vida sem razão é melhor ficar com a sensação
mas também é bom ser ácido, sereno e até misericordioso. Um adorno,
pois de fé já me enchi e agora luto em ser apenas um bom repouso. Um samaritano

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008


"A especialidade me é impossível. Valho um sorriso. Você não é nem poeta, nem filósofo, nem geômetra - nem outra coisa. Você não aprofunda nada. Com que direito você fala daquil oa que não se consagrou com exclusividade?Eu sou como o olho que vê o que vê. Seu menor movimento muda o muro em nuvem a nuvem em relógio; o relógio em letras que falam. Talvez esteja aí a minha especialidade".


Paul Valéry

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Recrutar a filosofia. Refazer a classe média


Em tempos difíceis dizem que os filósofos são recrutados. O Rio de tempos eternamente difíceis recrutou há pouco a Força nacional. Antes recrutou a Eco 92, o Pan 2007. Recrutou-se os formadores de opinião, representantes dos mass media que esbravejam com seus textos contra os governos e esquecem que são mediadores. Acham-se meio. Dificilmente recruta-se o pensamento. Escrevo sem saber onde, como e porque publicar. Num blog, mandar por e-mail aos mais chegados, aos amigos. Escrevo mesmo pra minha memória, mas é que diante de tantos fatos e de algumas poucas leituras, alguns pensamentos insistem em vir à tona e serem trocados com os amigos. Dialogados. Não se trata de um tema, não há recorte, quando as idéias sangram... Quando os corpos são aniquilados nos complexos arremedos de espaço urbano, a comunidade se transforma em número.

“Os direitos do homem são axiomas: eles podem coexistir no mercado com muitos outros axiomas, especialmente na segurança da propriedade, que os ignoram ou ainda os suspendem, mais do que os contradizem: “ a impura mistura ou o impuro lado a lado”, dizia Nietzsche. Quem pode manter e gerar a miséria, e a desterritorialização-reterritorialização das favelas, salvo polícias e exércitos poderosos que coexistem com as democracias? Que social democracia não dá a ordem de atirar quando a miséria sai de seu território ou gueto. Os direitos não salvam nem os homens, nem uma filosofia que se retorritorializa sobre o estado democrático. Os direitos dos homens não nos farão abençoar o capitalismo. E é preciso muita inocência, ou safadeza, a uma filosofia da comunicação que pretende restaurar a sociedade de amigos ou mesmo de sábios, formando uma opinião universal como “consenso” capaz de moralizar as nações, os Estados e o mercado” ( Gilles Deleuze, Félix Guattari, O que é filosofia?, São Paulo, Ed.34, p.139).

Essa longa citação encontrada no livro que pergunta o que é a filosofia nos convida para pensar os dias de hoje dos brasileiros. Não abençoamos o capital como grande parte dos formadores de opinião. Um fantasma ronda o Brasil, o fantasma da democracia. Governo do povo, sobre o povo. Democracia que nos permite hoje falar de liberdade da imprensa. Mas não falar para o cidadão. Um fantasma ronda o Rio de Janeiro: a classe média que necessita dos dois eixos da reflexão anterior: das esferas do estado: polícias e exércitos; do mundo da comunicação: imprensa e consumo. A opinião universal de que o Rio não vai bem das pernas elege agora mais um carnaval para deixar o estado respirar. A bela canção de Max Gonzaga, “Classe média”, embora retratando a violência urbana de São Paulo devia ser o hino do espetáculo contemporâneo e espelho da classe média, ou classe mídia carioca: “Aí a mídia manifesta a sua opinião regressa de implantar pena de morte ou reduzir a idade penal. E eu que sou bem informado concordo e faço passeata enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal”. Meios e estados safados em busca de um consenso para melhor passar os dias.




sábado, 19 de janeiro de 2008

ENSAIO SOBRE A PERICULOSIDADE DA VERDADE NO CINEMA E SEUS ASPIRAS. OU PARA ENCERRAR A DISCUSSÃO ACERCA DE TROPA DE ELITE SOB A LÓGICA GLAUBERIANA

Uma passagem da Estética do filósofo Hegel sobre a finalidade da arte é fundamental para compreender a relação entre cinema e ideologia para encerrarmos - por favor, de vez - a celeuma em torno de TROPADIELITI “(...) As obras de arte não são, em referência à realidade concreta, simples aparências e ilusões, mas possuem uma realidade mais alta e uma existência verídica. (....) Se se quiser marcar um fim último à arte, será ele o de revelar a verdade, o de representar, de modo concreto e figurado, aquilo que agita a alma humana.”. (HEGEL: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.464 .)
A polêmica em torno da obra de José Padilha revela o desconhecimento da verdade- com v minúsculo - da Arte. Justamente por tentar revelar a Verdade com V maiúsculo da realidade em termos hegelianos. Somos todos alvejados por balas de fotogramas. Somos capitãesnascimentomoura e alunos da universidade de cristo. Mas não pretendemos aqui de modo algum discutir o filme, exaustivamente analisado pelas mídias de massa e pelo próprio Padilha, mas, despertado por ele, trazer a baila algumas questões despercebidas pela crítica. Antes, uma pausa para a acusação do filme de fascista.
O neo-realismo italiano, movimento grandioso da história do cinema, tinha os pés fincados no regime de Mussolini e isso não foi problema para a corrente entrar na história como algo pra lá de libertário. Acusar de fascista a obra de Padilha é, no mínimo, não atentar para esse fato. A questão é que TROPADIELITI não inaugura nada de novo no cinema. Alertar é suficiente para arte ou sua função não é mais a de destruir como provocou Nietzsche? Troppaaaa não destrói, corrobora. Espetáculo puro pra Debord botar defeito.
Nem mesmo a discussão sobre a pirataria (que nada tem a ver com o filme) é nova. Cinema e pirataria sempre andaram juntos, pois piratas da perna de pau são os estúdios, os producers e seus delitos... Não inaugura, pois não é Arte. É comércio. Comércio de cópias e de Trajes do bope. Comércio de vídeos oportunistas e entrevistas do diretor. Trrrooppaa deve se pretender neo-realista, mas no máximo ele é clássico narrativo... Dialética e estética hegeliana.
Quanto as questões que não apareceram. Ficamos com pelo menos duas. 1- A figura do professor e sua aula em formato de seminários que assiste a apresentação de um Foucault que os foucaltianos devem desconhecer, que no quadro apresenta os nomes de Nietzsche (logo Nietzsche que revelava que graças a música as paixões possuem a si próprias - leiam cantando...”Tropa de elite osso duro de roer pega um pega geral também vai pegar você”....) e Deleuze (logo Deleuze que sempre estudou o cinema e as possibilidades de crença no mundo a partir da arte e que por isso cito: “O homem está no mundo como numa situação ótica e sonora pura. A reação da qual o homem está privado só pode ser substituída pela crença. Somente a crença no mundo pode religar o homem com o que ele vê e ouve” . É preciso que o cinema filme, não o mundo, mas a crença neste mundo, nosso único vínculo” - Gilles Deleuze, A imagem-tempo, São Paulo, Brasiliense, 1995, p.207.). A figura desse professor esquece seu papel para explicar o valor e não valor das instituições...
2 – O saco de gatos das ONG’s (ridicularizadas no filme e que ainda não se revoltaram contra isso) torna-se figura caricata como o personagem que a dirige, vivido de forma não tão caricata por André Mauro... A verdade da ONG de TROPADIELITI é apenas uma das verdades.
Que a crítica e Padilha não me perdoem por começar um texto como esse lembrando Hegel e por terminar conclamando a quem não assistiu, ainda, assistir Trrrrroooopà e depois correr para o comércio pirata para ver as continuações ou os vídeos no agora somente dispensário de lixo e spoofs YOUTUBE. Ou que lá, como alternativa, procure algo do nosso velho amigo Glauber, pois o cinema está em transe com sua tropa. Verdade revelada de um filme velado. Verdade desvelada de um mundo representado.

O dia em que Adorno e McLuhan sentaram para ver o BBB

Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) se referia vez ou outra a televisão através da expressão “sala de aula sem paredes”. Para o autor, a televisão era um mosaico (uma tela pontilhada) que convidava os sentidos a interagirem e a mente a coletivamente conectar-se. Entusiasta dos meios eletrônicos e profeta das novas mídias, McLuhan não assistiu a explosão dos reality shows na televisão.


Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969), uma das principais vozes da Escola de Frankfurt, negava qualquer possibilidade dos meios eletrônicos estimularem a emancipação do homem. Para Adorno, a televisão possuía uma função, sobretudo deformativa. A rubrica Indústria Cultural, cunhada por Adorno ao lado de Max Horkheimer, colocava a televisão em meio a outros produtos culturais pautados pela produção em série. O sério pensador alemão também não assistiu a explosão dos reality shows na televisão.


Em um momento duplamente crucial na história do veículo televisivo no Brasil: a entrada em cena do modelo digital e a criação de uma TV realmente pública, a rede Globo de televisão estréia mais um BBB. O que McLuhan e Adorno, antagonistas de pensamento, teriam em comum em suas leituras sobre o veículo nos dias de hoje seria a eterna preocupação com a porção educativa da televisão. Como educadores não podemos nos calar com mais uma estréia de um reality show. Fenômenos como esses oito grandes irmãos atestam a necessidade que temos de pensar ainda o veículo. Em tempos onde de longe sentimos que o meio é a massagem, a indústria da cultura ainda dá as cartas. Contra a parede ou no paredão, o BBB pode ser a mensagem para quem ensina.

Não nos preocupemos um instante com audiência, moralismos ou qualquer questão de ordem estética. Pensemos um minuto somente na possibilidade que o veículo ainda possui e como um exemplo - somente um - pode contribuir, através de sua negação, para levarmos a televisão a sério como brilhantemente nos convidava, por volta dos 2000, Arlindo Machado. No livro “A televisão levada a sério” (Editora Senac), Machado explica brevemente as teorias de McLuhan e Adorno e faz uma opção em não ficar com nenhuma das duas, e sim pensar a questão do repertório. Talvez tenha chegado a hora de pensarmos, entusiastas ou demolidores, apocalípticos ou integrados de forma conjunta. Se pudéssemos, devíamos sentar com McLuhan e Adorno para não somente darmos uma “espiadinha” como somos conclamados pelo programa Big Brother Brasil. Mas ir mais além dos olhos, e realmente analisarmos a situação da TV em terra brasileira.

Daí não mais uma Verdade, mas uma provocação adorniana e mcluhaniana pode surgir para a sociedade da informação. Professores que usam o BBB como exemplo do que a televisão não deve ser. Educadores que, através do reality show, discutem como o mesmo meio que cria programas de vanguarda como o Abertura, o Roda viva e o Recorte Cultural, para citarmos três, pode aceitar seus BBB’s. Que a sociedade leve o programa pras suas discussões e transforme esse produto serializado em lição de uma sala de aula sem paredes, que não pode ser esquecida em nenhum momento. Para que não haja mais um irmão da novílingua BBB. Mas para que a forma TV informe e forme um novo cidadão que se pudesse escolher entre ver ou não ver optaria por manter os olhos fechados.