sábado, 30 de maio de 2009

A memória nas Confissões


"Ultrapassarei então essas minhas energias naturais, subindo passo a passo até aquele que me criou. Chegarei assim ao campo e aos vastos palácios da memória, onde se encontram os inúmeros tesouros de imagens de todos os gêneros, trazidas pela percepção. Aí é também depositada toda a atividade de nossa mente, que aumenta, diminui ou transforma, de modos diversos, o que os sentidos atingiram, e também tudo o que foi guardado e ainda não foi absorvido e sepultado no esquecimento. Quando aí me encontro, posso convocar as imagens que quero. Algumas se apresentam imediatamente; outras fazem-se esperar por mais tempo e parecem ser arrancadas de repositórios mais recônditos. Irrompem as outras em turbilhão no lugar daquela que procuro, pondo-se em evidência, como que a dizerem: “Não somos nós talvez o que procuras?” Afasto-as da memória com a mão do meu espírito; emerge então aquela que eu queria, surgindo das sombras. Outras sobrevêm dóceis em grupos ordenados, à medida que conclamo, uma após outra, as primeiras cedendo lugar às seguintes, e desaparecendo para reaparecer quando quero. Eis o que sucede quando falo de memória." (Santo Agostinho)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Teatro, tecnologia e tantos ttttrrriinnnssss


Continuo seguindo o lema "Vá ao teatro... mas não me chame!" de algumas camisas que cicularam outrora pela cidade, mas como tenho alguns amigos - e eles insistem em me chamar - as vezes me deparo com boas questões (tecnológicas) dentro das peças. Mesmo sem perceber, o teatro é uma tecnologia... Em "É a mãe", de Ana Velloso e Vera Novello (produzida pela minha amiga e vocalista do Mappa mundi, Cacau Gondomar) o telefone, aquele "entrão irresistível" como bem classificou McLuhan é ferramenta de destaque. Como observou certa vez Paul Klee "agora os objetos me percebem"... Na divertida comédia sobre as mães (Maria, a matriarca judia, nordestina, do mundo real da violência carioca, do mundo violento do faz-de-conta de fadas e meninas com suas avós) qualquer objeto se traveste de telefone... e nos percebe. E em qualquer lugar o trrriiimmm (" o que é esse trrrriiimmmm?" também se perguntava o tio McLuhan) se dá, se processa. Um dos momentos altos da peça é uma conversa pelo telefone com um vídeo pré-gravado. Em tempos onde o celular é mais do que um objeto estendido de nosso aparelho fonador, mas elemento ativo de novas sensorialidades e subjetividades,"É a mãe" vale a pena. Vá ao teatro e chame, tecle, grave com seus celulares!

domingo, 24 de maio de 2009

Desconstruindo McLuhan II - Fim da introdução




Propomos então como método uma análise bibliográfica e de uma cartografia cinematográfica a partir das obras de McLuhan. Influências, comentadores e seguidores que desdobram o texto mcluhaniano nos permitem compreender o universo desenhado com a reflexão sobre as novas tecnologias. Assim no primeiro capítulo, ‘Reflexões sobre a técnica’, discute-se os pormenores de um pensamento sobre esse saber fazer. Do pensamento filosófico ao referencial de McLuhan pretende-se nesse capítulo refletir sobre a técnica como algo que convive com o homem de uma forma não determinística, mas corriqueira, natural, apontando para uma origem biológica da técnica pensada através de continuidades e deslocamentos. Da techné de Aristóteles, do pensamento hodierno de Francis Bacon e Giambattista Vico para em seguida através dos recortes de Oswald Spengler e Martin Heidegger refletir como a técnica ganha em McLuhan outros contornos é parte de nossa proposta.
No segundo capítulo, através da tríade contexto/conceitos/crítica, tenta-se esmiuçar o pensamento de Marshall McLuhan. Compreender McLuhan[1], afastado da leitura maniqueísta como suas considerações fundadoras sobre a materialidade e a sensorialidade dos meios foram tratadas nas décadas de 60 e 70, é afirmar bases teóricas para a cartografia que propomos no terceiro capítulo, ‘A tela é a mensagem’, numa referência a famosa frase “o meio é a mensagem” do pensador canadense. Nele a questão da imagem e a relação entre texto e o dispositivo imagético apontam para o cenário que as novas tecnologias tentam desenhar para o novo sujeito que se relaciona com os meios de comunicação.
Alguns filmes apresentam tal idéia, outros colocam o próprio autor para explicar suas teorias, transformando McLuhan em um ator de seu próprio pensamento. Filmes que abordam a entrada e saída de personagens da tela ( daí uma das possibilidades de se articular a tela como mensagem) é exemplo na ficção que traduz o anseio do homem para com os media. Pensar com Ieda Tucherman que “A máquina é o novo ambiente da experiência. Na integração que se põe em movimento entre seres biológicos e maquínicos, corpo e pensamento, matéria viva e inerte, carne e silício”[2], desconstruindo antigas oposições, sobretudo entre natural e artificial, é refletir sobre a imagem de pensamento de Herbert Marshall McLuhan. O cinema como o locus capaz de promover um mais claro entendimento de um autor e, sobretudo, desfazer antigas concepções que colocavam a técnica como algo inferior e não como produto e produtor dos sujeitos.
No último capítulo lança-se mão de uma possível nova leitura da relação entre homem e meio, traduzindo alguns termos e noções de autores que dão seqüência ao legado mcluhaniano, apontando para uma nova forma de se encarar o homem diante das novas tecnologias.
Mais que apontar os caminhos que o leitor poderá percorrer uma introdução deve nascer com uma inquietação. Nossa inquietação nasceu de uma ida ao cinema. de uma sessão de um filme chamado “O Chamado”, The ring ( 2002), que por sua vez era o remake de um filme japonês ( Ringu, 1998). O filme de terror tinha os meios de comunicação como interlocutores. Vídeo, fotografia, internet. “O chamado” trata-se de um inventário dos media, e por isso nos soava mcluhaniano. Um McLuhan meio às avessas, mas digno das provocações do canadense. Desse filme para uma dissertação de mestrado marca a trajetória dessa obra que tão despretensiosa chega a ter finalidade. Nunca início, mas propósito. Propostas e margens.
Desconstruir McLuhan é pensar uma torção no pensamento do autor. Esse torcer as idéias através do cinema direciona o verdadeiro objetivo dessa pesquisa: pensar, que técnica e estética possuem uma dupla conexão com o sujeito na contemporaneidade. Se como observa McLuhan, “o cinema é um rival do livro; sua trilha visual de descrição e formulação narrativa é mais rica do que a palavra escrita”[3], tentar-se-á com o medium tão-somente explicar, estender e, acima de tudo, compreender um pouco a galáxia criada por Marshall McLuhan no seu livro que relaciona homem e meio. Levar-nos com um livro para além dos livros como extemporaneamente observou Nietzsche parece ter sido a vocação de Os meios de comunicação como extensões do homem. Esse livro que lembramos uma vez mais nasceu de uma dissertação pretende guiar-nos por uma nova posssibilidade: O homem como extensão dos meios de comunicação.


[1] O título do segundo capítulo é Understanding McLuhan, em referência a sua obra principal Understanding media.
[2] Ieda Tucherman. Corpo e narrativa cinematográfica. In Corpo, técnica e subjetividades, Revista de comunicação e linguagens, número 33, Lisboa: Editora relógio d’água, 2004, p.198.
[3] Marshall McLuhan. Os meios de comunicação como extensões do homem. Rio de janeiro: Cultrix, 1964, p.301.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

No reino do pós-pós da ciência

O último boletim da Faperj diz que R$94.000.000,00 serão destinados ao pós-doutorado e a fixação de jovens no Estado. http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=5456

Não custa lembrar o responsável por algumas idéias dessa ponte. Homem de pontes:

"Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje! "— NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.
A caricatura eu peguei na rede, evidentemente, parabenizo o artista!

domingo, 17 de maio de 2009

Desconstruindo McLuhan



Meu livro "Desconstruindo McLuhan - O homem como (possível) extensão dos meios" está no prelo. Ele vai sair pela e-papers em outubro desse ano. Vou postar aqui em 2 etapas a introdução.





"O que é um livro que nem menos sabe levar-nos
para além de todos os livros "
Nietzsche


“A tecnologia significa constante revolução social” [1] . Essa frase encontrada no primeiro livro de Herbert Marshall McLuhan - ‘A noiva mecânica’ - parece sintetizar as idéias contidas nessa obra de 1951. O trajeto da revolução de sua origem aos dias de hoje mudou, mas sua relação com a tecnologia permanece como essa evidenciada pelo teórico canadense. Esse livro nasce com o intuito de pensar como as teorias de McLuhan revolucionam até hoje o mundo tecnológico, sensorial e como a tal aldeia global se faz presente, se faz filmada. Embora tal termo possa ser repensado nos dias de hoje e não seja nem mesmo nossa principal visada mencioná-lo nesse intróito nos soa bem.
Explorar as mudanças na sociabilidade, na subjetividade, no pensamento e na cultura, efetuadas através das invenções técnicas do homem, era a preocupação de Marshall McLuhan. Esse livro nasce com o intuito de pensar a revolução causada pelas teorias de McLuhan no campo da comunicação, particularmente no que tange a relação entre técnica/tecnologia e imaginário. Tal preocupação constitui a reflexão sobre o próprio conceito de homem na era das tecnologias informacionais, da sociedade marcada pela velocidade e pela virtualidade. Seu objetivo é propor uma nova forma de tentar entrar no pensamento de um autor de difícil compreensão e de questões viscerais do contemporâneo. Autor retomado pelo afã das novas tecnologias. Refletir sobre o binômio homem/técnica a partir da leitura do teórico canadense não é novidade. Tal idéia parece ser tratada há muito tempo em diversos estudos que retomam ou reinterpretam o pensamento de McLuhan. A novidade que se tenta então propor com essa pesquisa é traduzir o teórico dos media através de um meio de comunicação, de uma - permitam- velha tecnologia, a saber: o cinema.
Meio técnico por excelência, o meio cinematográfico nos convida a compreender um teórico que se debruçou sobre os media para pensar o homem. O objetivo é refletir sobre a idéia central do autor em sua principal obra Os meios de comunicação como extensões do homem[2] ( sabendo ser impossível esquecer as demais), considerando que, com o advento das novas tecnologias, uma desconstrução do pensamento acerca dos meios como extensão do homem de McLuhan pode ser proposta. Por desconstrução dialogamos evidentemente com a filosofia de Jacques Derrida. Derrida como bem observou a orientadora desse trabalho entra aqui como uma espécie de ator coadjuvante. Acho que Derrida não deixaria de gostar dessa posição. O homem como prolongamento dos meios, através da leitura que o cinema tenta revelar em algumas produções ao longo de sua história, bem como a própria mutação que passa a arte cinematográfica nos convida a pensar que um novo ser humano se constitui dos meios. Para além da metafísica, os metameios são nosso alvo nessa leitura desconstrucionista de McLuhan. As mudanças pensadas através do imaginário tecnológico nos levam também a considerar algumas reverberações das teorias de McLuhan. O cinema como algo capaz de produzir realidades, como sugere outro autor importante para nossas reflexões, Gilles Deleuze, parece promover uma leitura interessante de diversos pensadores. A escolha de McLuhan é evidentemente proposital, por tratar-se de pensador categórico dos media. Poderíamos aplicar nosso fundamento a qualquer autor[3], mas ver como o cinema lê as teorias de um pensador categórico da comunicação já nos é parte de nossa metodologia.

[1] Marshall McLuhan. The mechanical bride. New York: Beacon Press, 1967, p.40. Technology means constant social revolution. (Tradução do autor).
[2] O título original do livro é Understanding media-the extensions of man. Na tradução brasileira de Décio Pignatari Understanding media aparece como subtítulo da obra. A frase Extensions of man foi transposta para o português como os meios de comunicação como extensões do homem. Como veremos no decorrer do trabalho, a idéia de meio não é restrita aos meios de comunicação em McLuhan, embora seja a questão preponderante.
[3] Quando da apresentação desse trabalho ao professor Muniz Sodré ele teceu essa observação que não esquecemos aqui de recordar

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Derrida

“Não, nunca aprendi a viver. De modo nenhum! Aprender a viver, isso deveria significar aprender a morrer, a levar em conta, para aceitá-la, a mortalidade absoluta”

terça-feira, 12 de maio de 2009


"O que ainda domestica o homem, se o humanismo naufragou como escola da domesticação humana? (...) O que domestica o homem, se em todas as experiências prévias com a educação do gênero humano permaneceu obscuro quem — ou o quê — educa os educadores, e para quê? Ou será que a questão sobre o cuidado e formação do ser humano não se deixa mais formular de modo pertinente no campo das meras teorias da domesticação e educação?"


(Sloterdjik, regras para o parque humano, 1999, p.32)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A mídia por Foucault

Dever-se-ia evitar chamar de mídia os canais de informação aos quais não se pode ou não se quer ter acesso. Importa entender como fazer que as diferenças ajam; saber se devemos instaurar uma zona reservada, um " parque cultural" para as frágeis espécies dos cultos, ameaçados pelas grandes aves de rapina da informação, enquanto todo o resto do espaço seria um vasto mercado de bugigangas. Não me parece que semelhante repartição corresponda à realidade. Pior: não me parece de fato desejável. Para fazer que as diferenças úteis ajam não deve haver repartição alguma.
O Filósofo Mascarado
Le Philosophe Masqué (entrevista de C. Delacampagne), em ‘Le Monde" n. 10945, de 6 de abril de 1980: "Le Monde-Dimanche", pp. I e XVII.

Afinal [não] sou um filósofo

"Afinal, sou um filósofo? Mas o que isto importa? " ( NIETZSCHE. Carta a Brandes, 20 de novembro de 1988. In: Selected Letters. Translated by A.N. Ludovici. London: The Soho Company, 1985. p.358)
Essa sentença de Nietzsche é fundamental nos dias de hoje, onde mais uma vez a filosofia parece ser convidada a entrar em cena. Comecei a ler Nietzsche ainda jovem, lia-o de forma anárquica, como ainda acho que deva ser lido. Durante algum tempo procurei proclamar-me nietzschiano! Com o passar dos tempos vi, percebi que era melhor não fazê-lo. Sinto que Nietzsche é finalmente um contemporâneo. Os temas de sua filosofia-arte me fazem novamente crer que é necessário ser Nietzsche, ser como Nietzsche nesses tempos novos. Ingressamos um novo terreno de sensações, um terreno que faz confundir os toques não mais da máquina de escrever, mas no teclado, com nossas ações. Somos filósofos, mas do que isso importa. Uma nova máquina de sensações, nos leva de volta ao a(u)tor, aos dedos de Nietzsche... A beira do abismo, Zaratustra existe como nós. Existe em nós. Nietzsche ao afirmar a vida sempre vive. Na rede somos ave de rapina mesmo quando cordeiros. O eterno retorno reside em nós! Diferente é o mesmo ao contrário