segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A questão de "Avatar" ( o arrazoamento heideggeriano)




"Mas somente se nos voltarmos pensando para o já pensado, seremos convocados para o que ainda está para ser pensado" ( Martin Heidegger)

"Avatar is way behind the times, both thematically and technologically" .
" It's better than Transformers, and no worse than Ben Hur".(Steven Shaviro)

"Avatar", o filme do momento até primeiro de janeiro, creio, é certamente um bom filme devido a toda tecnologia do qual se constitui e faz-se constituir. Um filósofo e três filmes passaram pela minha cabeça assistindo-o. O primeiro dos filmes e que assisti esse ano foi o "Distrito 9", certamente mais relevante que "Avatar" por tratar do detrito ecológico da própria cibercultura ( O videolog tá lá, os "robôs-tela" também). O segundo foi "Caravana da Coragem", aquele mesmo dos Ewoks que já sacavam Ewya nos 80. E, evidentemente, 10 anos antes, "Matrix". Não vou falar muito o porque esses foram os filmes que vi dentro do filme: semelhanças por afinidade no discurso (ciber)-eco-lógico, semelhanças pela virtualização que passa o cinema de ficção científica dos 2000, semelhanças pelas criaturas da floresta.

Pretendo me ater nessa breve crítica sem muita profundidade ao filósofo que me veio o tempo todo a mente vendo "Avatar" de James Cameron. Talvez por gostar muito de florestas... Heidegger, que volto toda hora a ler e cada vez mais me em-baralho ( no fundo essa parece ser a missão do filósofo da floresta negra) com sua gestell ( traduzido por vezes como arrazoamento, mas que quer dizer em alemão armação, estante) lê a questão da técnica através da relação entre o dispositivo ( não traduzido assim pelo alemão) e o argumento racional do mundo. A expressão acontecimento-apropriação, a "tomada da linguagem natural" (Heidegger, Que é isto - a filosofia/ Identidade e diferença, Vozes, 2006, p.48) que cerca o dasein, o ser aí - supostamente, o sujeito na concepção de Heidegger - é o mote do filme a meu ver.
Comparações desse, confesso, necessário e bom filme, com o rizoma e o devir ( Deleuze, Guattari) e com a biopolítica ( Foucault) já despontam em alguns comentários que venho acompanhando pelo Twitter - sobretudo os da Ivana Bentes (@ivanabentes ) - mas no final acredito que o filme é profundamente heideggeriano. (Aliás as citações ao Steven Shaviro (@shaviro) do início dessas linhas também são do Twitter).
As raízes da metafísica, a linguagem como morada do ser, a ontoteologia (base de toda a metafísica) e a não-libertação da técnica dão sentido a esse Avatar, aos inúmeros Avatares. Nunca fui grande fã de Heidegger durante as aulas de filosofia ( de fenomenologia, especificamente), o autor sempre aparecia como um vilão pela associação ao nazismo, pela leitura equivocada de alguns autores. Mas depois que reconhecemos a importância para a filosofia do século XX, quando começamos a achar que estamos entendendo Heidegger, v-i-s-lumbramos outras possibilidades. "Ler" Avatar desse jeito nos faz crer que ele é um filme importante. Não sei se esse espetáculo todo visual e sonoro ( o som me impressionou tanto quanto as imagens) compensa as falhas em meio as folhas, e, mais ainda, se esse tom heideggeriano que percebi possa começar a justificar certos discursos ecológicos de muitos que ainda jogam papel pelas janelas dos carros. Heidegger meio que nos fez ver que continuamos entre o já pensado e o ainda a pensar, meio entre Avatar (ou Matrix) e o tal Distrito 9. Entre arquivos e árvores...

6 comentários:

Leo Lagden disse...

Verei o filme amanhã...
Espero alcançar a profundidade da sua interpretação...rs

Prometo que vou me esforçar!

Abraços

Bernardo disse...

Me fez agora pensar que Avatar proporciona uma visão da "vida em comunhão com a natureza" que só é possível, para o homem, pela via da técnica. Finalmente corpo e espírito se unem mediados pela tecnologia. Só assim é possível migrar a alma de um corpo a outro. Essa é fantasia subjacente aos discursos de desenvolvimento sustentável.

Dona Léti disse...

Caracas !!! Que profundo ...
Assisti o filme na noite de ontem e tirei algumas conclusões, mas confesso que não havia enxergado tão detalhadamente como você, e agora estou refletindo mais fundo ao seu modo de analisar.

Linhas de fuga disse...

Obrigado pela visita e pela atenção. Apesar do tom das minhas linhas , gostei do filme... mas sem exageros...

Márcia Bessa disse...

Aproveito para lembrar também o conceito de suplemento tratado em "Conversações" por (ou com) Deleuze. Os filmes que permitem que ajamos sobre eles, guardam um espaço que só nós mesmos podemos completar. Me admirei de encontrar o suplemento em Avatar (acho que deleuze também se surpreenderia)...

Avatar:
A Terra e a erraticidade,
O habitante da Terra e o espírito,
O corpo humano e cada uma de suas células,
A natureza e cada uma de suas pequenas plantinhas,
A vida terrena e a vida no pós-corpo... Precisamos cuidar da vida.

Linhas de fuga disse...

Isso! E essa ação não tem nada de militar ou corporativa. É uma ação nossa, subjetiva (eu=outro) de que o cinema, essa "crença no mundo" deleuziana, é central nos dias de hoje.