domingo, 23 de março de 2008

Para Jean Budrillard: a acidez que educa

A verdade nasceu da ilusão
O real nasceu da falta de imaginação
A imaginação do pensamento é mais preciosa que o próprio pensamento

Entrei em contato pela primeira vez com um texto de Jean Baudrillard em 2002, ainda com a dúvida se a opção pela carreira acadêmica tinha sido a mais acertada. Estava ainda em um curso de graduação, após ter abandonado dois outros, e tinha como horizonte a vida na Universidade. O livro era “Cool memories IV” e alguns de seus aforismos – cito dois aqui – me convenceram que sim; que fazer jornalismo para dar aulas seria minha grande decisão em uma sociedade pautada pelo consumo, pelo excesso de comunicação, pelo simulacro. Temas recorrentes do texto do pensador francês me ajudaram, ao lado de outras provocações de sua ácida escrita a enfrentar o dilema proposto pela educação. Baudrillard com seu tom provocativo convida-nos educadores a uma discussão séria sobre as escolhas de quem ensinamos nas sociedades dos diversos rótulos - e longe de uma vocação educativa.
O primeiro daqueles aforismos bem curto dizia: “A ordem social nos ensina a calar, mas não nos ensina o silêncio”. Dele, o impacto de que, apesar dos pesares, temos voz. Primeira dúvida naquele momento, como usá-la? O segundo, um pouco maior, diz respeito às referências do autor. Ambos se encontram no livro citado, lançado no Brasil pela Estação Liberdade. O volume de número IV completa a série de suas “memórias frias”. Reproduzo então o outro aforismo.

“Cito somente aqueles que admiro porque souberam dizer melhor do que eu o que eu queria dizer. Ou o que sinto que poderia escrever. É como declinar nosso pensamento por meio de outra pessoa, que o restitui, como se nós o tivéssemos dado a ela. Que ele tenha sido pensado antes, que tenha sido pensado melhor é então um sinal compartilhado, um sinal predestinado, como um objeto que se oferece ao objetivo. Esse prazer da citação é portanto extremamente raro, e assim deve continuar a ser”.

A citação anterior nos coloca, escritor e leitor, no real objetivo dessas linhas: Baudrillard e as referências nos colocam em movimento. Aqueles que nós admiramos nos colocam em movimento. O pensamento é um movimento. Ensinados a não calar, e sim a explorar o legado da teoria crítica que Baudrillard não abria mão –e que qualquer outra também não pode fazê-lo no contemporâneo- pensamos e homenageamos aqueles que nos movimentam a pensar . Escrevemos sobre aqueles que admiramos, pensamos com aqueles que nos formaram. E nesse mover-se entramos em contato com uma ação. Embora o apocalipse dobrasse as linhas do texto de Jean Baudrillard, sua busca e produção incessante por respostas são saudáveis influências. Pra quem ensina e pra quem aprende.

Pelo percurso, evidentemente, encontramos exageros, mas o que seria do movimento do pensamento se não beirasse o excesso. O que seria da guerra se não fosse sua mídia. O que seria do cinema se não suas influências. Os irmãos Wachowski, diretores de “Matrix”, assumiram publicamente a influência de Jean Baudrillard na concepção do filme, embora Baudrillard diga que os autores não entenderam bem suas teorias. Ficou o excesso. Na tela, o livro “Simulacros e Simulações” guarda os programas do Hacker Neo, personagem de Keanu Reeves, e no exagero hollywoodiano ganhou o pensamento. O filme é parada obrigatória de diversos cursos de filosofia, por exemplo.
A imaginação do pensamento, os excessos do pensamento, a influência do pensamento. Três lições de vida para continuar a se descobrir Jean Baudrillard... Se não bastar, nas palavras do próprio em “A ilusão vital” (2001) uma provocação em tempos de clonagem: “ Mas se a vida é preciosa, é justamente porque ela não tem valor de troca – porque é impossível trocá-la por algum valor final”. Na sociedade das trocas, ‘baudrillar’ é preciso....

O sociólogo francês Jean Baudrillard morreu em Paris em seis de março de 2007 aos 77 anos.

4 comentários:

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

A memória é um tema que está me fascinado. Anotarei o nome do autor.

Linhas de fuga disse...

A mim também... Conheces "Seduzidos pela memória", de Andreas Huyssen.

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Olá... posso reproduzir o seu este texto no meu blog:
http://duduoliva.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idblog=13757

Colocarei os devidos créditos, é que acho legal divulgar conhecimento.
Tenha um bom final de semana.

Linhas de fuga disse...

Claro!

e que bom!

um abração
W