domingo, 27 de abril de 2008

Cinema dos sonhos: A propósito do longa " Cidade dos Sonhos", de David Lynch


"No hay Banda!"

Cena 1- Cidade dos sonhos é um filme que definitivamente deve fazer a crítica cinematográfica se perguntar sobre a sua função. Se o cinema, como aponta Gilles Deleuze em seu ‘Conversações’, “não tem necessidade alguma da crítica para encher as salas nem para preencher sua função social”, Cidade dos sonhos pode atestar essa consideração. Ou mais, pode lançar um verdadeiro desafio a quem deseja refletir criticamente sobre o filme. Como interpretar o sonho da cidade construída por Lynch? Para se ler, para se interpretar uma cidade precisamos da invisibilidade. Calvino mapeou as cidades invisíveis. Lynch filmou-as. O nome do filme original “Mulholland drive” não remete a cidade, mas a estrada. O nome do filme em português é metáfora pura.
O filme que nasceu de um projeto inacabado acaba por fazer qualquer crítico ou curioso por cinema se perguntar sobre o seu sentido. Acaba por acabar com a crítica institucionalizada que invadiu o cinema. Uma metanarrativa sobre o cinema. O paroxismo da abstração. O choro da morte da atriz no clube Silêncio. Uma radiografia da indústria cultural. Uma ode a fenomenologia da percepção. Afirmações que, em vão, tentam dar razão ao universo onírico de Lynch. Razão? "Me chama razões..."

Plano 2- Histórias. Entender o filme da forma que quiser, recomenda a atriz Naomi Watts. De acordo com as histórias que se envolver. Sentir a história pode ser a constatação do movimento que nos propõe Lynch. Ao relacionar o cinema com a “epifania do sensível”, André Bazin evidencia a arte que desvela o lado profundo e oculto do mundo. Cidade dos sonhos parece comprovar esse despertar para uma arte que fala de fato a interpretação livre da emoção. e que o cinema de Lynch vem de longe tentando indicar.

Contra-plongé -Imagens. Escrever sobre as imagens desse filme é um desafio, tal como compreendê-lo. Além de planos belíssimos gostaria de destacar as imagens tremidas e borradas para evidenciar os sentimentos, e mais, para mostrar a confusão dos personagens no mundo dos sonhos, na cidade chamada cinema. O diretor logo na abertura do filme abusa do poder da imagem. A dança que dá início ao longa não mostra só talento do também coreógrafo Lynch, mas brinca com a imagem e suas nuances de tal forma que aponta caminhos para a compreensão do sonho que o diretor nos convida a experimentar. Compreender o cinema, através das imagens de Lynch é tentar compreender os desafios do imaginário nos dias de hoje.

Luz, câmera, ação -Sons. No hay banda, mas há um Roy Orbison, sempre. O Clube do silêncio é um clube de lágrimas. I will be crying... Se em "Veludo azul", Lynch já demonstrava sua reverência a um dos maiores da música pop, em “Cidade dos sonhos” isso é defintivo.

no hay espectador- O cinema dos sonhos que o filme nos apresenta simboliza a urgência de uma arte voltada com a liberdade do autor, aponta para um novo diálogo que o fazer cinematográfico precisa estar imbuído. Quebra-se mais uma vez a linearidade. Parte-se o veio aristotélico que consagrou as narrativas, mas que aos poucos foi redefinindo-se. Aristóteles classifica. Vive-se o estado da “metafísica de artista” que Nietzsche pensou. Lynch experimenta.
"Cidade dos sonhos" parece funcionar como uma passagem, como um entre cinema que busca na relação autor/público uma nova forma de dialogar com a verdadeira função da arte: precipitar os sonhos. Esquecer a crítica. Essa, sobretudo. Silêncio

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